domingo, 12 de setembro de 2010

Bye bye estranho amigo

Alguns muitos dias atrás, estava eu em um ônibus. Seguia o ônibus, estrada adiante, e de repente, não mais que isso, senta-se ao meu lado um, tal como eu, passageiro. Inquieto, demonstra-se logo. E falante, em seguida a um que seria meu mais breve comentário sobre algo que acabara de quase acontecer, nada demais, apenas um suposto quase abalroamento, 'dana-se' a falar e a falar.


Sobretudo é simpático. Mas me chamou a atenção mesmo foi o fato de em questão de alguns simples minutos, eu já saber qual o ofício, lugar de trabalho, o que acontecia na semana corrente-ao menos o fato mais importante e que o levara quase ao cabo do seu emprego, qual era o nome de sua chefe, qual seu rendimento mensal. Isso no âmbito profissional. Poderia te descrever também, agora, já que ele me disse outrora dentro desses minutos: quantos casamentos, filhos, amantes, que sua atual amante morava no mesmo município, como eu, num da baixada. Como fazia esse meu novo amigo para dividir as despesas entre 'as casas' e mulheres que tinha, como era a agenda para organizar que dias dormiria em cada casa. Organizado esse meu amigo.

Engraçado era, que o que permitia quebrar a organização imposta por essa agenda semanal seria exatamente, a rotina. Sim, porque o que o motivava a sair de uma das casas para visitar a outra seria o aborrecimento causado por sua mulher, uma ou a outra. E pelo exemplo que me dera, do último aborrecimento, não mais que uma rotina. Essa última foi uma simples discussão sobre o que sua mulher deveria fazer além de nada fazer. Isto é, ele a mantinha em casa sobre total cuidado com as despesas. E visto que isso é rotineiramente cômodo, me pareceu até certo modo justo e passivo de discussão.

Ah sim! Um orgulho do meu amigo, seus filhos já 'encaminhados'. Um militar e músico em São Paulo, o outro estudante com futuro promissor. Seu filho trompetista foi lembrado com orgulho pelos louros que recebera dos seus superiores(nem parece que estamos falando de músico), e do quanto ele tocava bem. Não sei por que imaginei Chet Baker tocando numa banda militar- seria no mínimo sarcástico. Então, com esse orgulho todo, senti que falava de tal fato com experiência, mas do que simplesmente orgulho de pai. Sim, meu amigo é musico, como eu.

Ele também trompetista, tocava em igrejas e festas, com a mesma desenvoltura. O meu amigo. E me contou como o trabalho o afastou gradativamente do seu pistom. A essa altura me contou também que tinha, além do seu emprego, uma loja em São João, e que nos horários fora de sua escala de trabalho, a mantinha. Lembrei das duas famílias. As festas menos rotineiras, as igrejas com poucas 'saídas', já não treinava seu instrumento como gostava de fazer e as melodias já não fluíam como rotinas pensadas.

Mas que o que eu gostei de ver mesmo, foi como brilhou os olhos ao dizer o quanto a música em si, faz bem a alma. Como instrumentista, usou a afirmação de que o som, as músicas, as expressões musicais, as interpretações, as harmonias tão bem elaboradas, cada nota, soava em paralelo com o próprio modo de viver de cada um. E que refletia na maneira de ver a vida fluir. Como uma música. Como eu.

Foi então que percebi o quanto ele era meu amigo. O quanto enxergávamos de maneira tão parecida a música na vida. A vida pela música. E comungamos em alguns minutos essa crença, de que a música ajuda a digerir a vida mais saborosamente, menos rotineira e mais atraente. E ao descer do ônibus, ele antes do que eu, disse e não parava de dizer, até que eu não pudesse mais escutar: "Volte a tocar, não desista, não largue a música. Por que ela não me larga".
Ele não escutou, mas eu disse: "Como eu".